O português kimbundizadu: uma análise de alguns dos enunciados da obra os conto de ukamba kimba

Phutu ni Kimbundu: Kuzambula kwa mikanda imoxi ya kibandu kyalungu ni misoso ya Ukamba Kimba

Autores

  • Ivonete Da Silva Santos Universidade Federal de Catalão, GO, Brasil
  • Maria Helena de Paula Universidade Federal de Catalão

Palavras-chave:

Contato entre línguas, Interferências, Variedade Angolana do Português, Kitakanesu kya mazwi, Kudibunda, Ukexilu wa akwa Ngola wa Phutu

Resumo

O artigo visa descrever algumas das marcas linguísticas do Kimbundu no léxico do português falado em Angola, presentes na obra Os contos de Ukamba kimba (2013). Trata-se de evidenciar as principais características e especificidades da língua materna em contraponto com o português, de modo a justificar a ocorrência de palavras do léxico Kimbundu, regras morfológicas e sintáticas que especificam o uso da língua não materna por falantes angolanos. Para tal, discute-se as consequências provocadas pelo contato entre línguas, bem como as estratégias linguísticas adotadas pelos falantes como tentativas de eximir o conflito linguístico inevitável ao contato linguístico. Discorre-se, também, sobre alguns dos fatores que influenciam a transferência, a influência, a assimilação e interferência linguística de uma língua sobre a outra, por exemplo: fatores como a falta de domínio da língua portuguesa, a imposição legalmente instituída dessa língua que para a maioria dos falantes angolanos não é a língua materna, bem como a necessidade de ascensão social. Defende-se, por fim, que as ocorrências das marcas do Kimbundu no português não se configuram como “erros” ou “desvios” em relação à gramática do português, mas como fatos da língua.

***

Kamukanda kaka kalombolwela kidimbu kya uzwelelu wa dizwi dya kimbundu mu maba phutu yazwela mu Ngola, kala mukibandu kya misoso ya Ukamba Kimba (2013). Kizwela kukolesa ijembwete yatundu ni kidifanganu kitongolwela kuzwela kwa dizwi  dya uvalukilu mukudilunga ni phutu mukutongolwela kukala kwa maba a dizwi dya kimbundu, ijila ya morfologia ni ya sintaxe itongolwela kuzwela kwa mazwi yo engi kwa azwedi akwa Ngola. Mukiki, abwata maka abekela kudilunga kwa mazwi, masunga a kwijiya kwa mazwi asolo kwa kifuxikya kulala kwa maka a mazwi adisweka mukudilunga ni kwijiya kwa mazwi kwakala na ni ukexilu umoxi wosambukisa, kitumikisa, kusambuka, kutetuluna ni kuvunza kwa mazwi kwalungu ni dizwi dyengi, kala kifika: ubangelu kala kukamba kwijiya dizwi dya phutu, kufumbidika kwalungu ni kwabange ni dizwi  dya uvalukilu, kala na we kwandala kwidikisa kwa kifuxi. Abange kwila, mukusukaku, ukexilu wa idimbu ya kimbundu mu phutu kyakimono kala "kuzwela" mba "kuhambuka" kwalungu ni ijila ya kuzwela kibandu kya phutu, akitalesa kala ukexilu wa dizwi.

***

This article aims to describe some of the linguistic marks of Kimbundu in the lexicon of Portuguese spoken in Angola, present in the work The Tales of Ukamba kimba (2013). It highlights the main characteristics and specificities of the mother tongue as opposed to Portuguese, justifying the occurrence of words from the Kimbundu lexicon, morphological and syntactic rules that specify the use of the non-mother tongue by Angolan speakers. To this end, the consequences caused by the contact between languages is discussed, as well as the linguistic strategies adopted by speakers as attempts to eliminate the inevitable linguistic conflict. It also discusses some of the factors that affect the transfer, the influence, the assimilation and linguistic interference of one language over the other, for example: factors such as the lack of mastery of the Portuguese language, the legally instituted imposition of that language, that for most Angolan speakers it is not their mother tongue, and the need for social ascension. Finally, it is argued that the occurrences of Kimbundu marks in Portuguese are not to be considered as "errors" or "deviations" in relation to the Portuguese grammar, but as language facts.

Biografia do Autor

Ivonete Da Silva Santos, Universidade Federal de Catalão, GO, Brasil

Doutoranda em Estudos da Linguagem (UFCAT), professora da Prefeitura Municipal de Uberlândia.

 

Maria Helena de Paula, Universidade Federal de Catalão

Possui Licenciatura em Letras, com Habilitação em Português pela Universidade Federal de Goiás (1996), Mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2000) e Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007). É professora da UFG desde 1998, atuando na graduação em ensino, pesquisa e extensão e na pós-graduação como docente permanente no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem. É líder da Rede Goiana de Pesquisa e Estudos em "Linguagem, Memória e Cultura" da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e consultora ad hoc da FAPEG, CAPES, CNPq e INEP/MEC. É revisora de periódicos científicos e editora da Revista "Linguagem - estudos e pesquisas". Na área de Letras, tem experiência em estudos linguísticos e Filologia/Paleografia, com ênfase nos seguintes temas: ciências do léxico em fontes primárias orais e manuscritas, Sociolinguística (em perspectiva descritiva e aplicada ao ensino) e Linguística Antropológica. Atuou, no âmbito da administração superior, como coordenadora de pós-graduação lato sensu e Coordenadora Geral de Pesquisa e Pós-graduação da UFG/Regional Catalão (03/2014-02/2018) e, atualmente, compõe a Coordenação do Comitê de Ética em Pesquisas (CEP) da UFG/Regional Catalão. Tem interesse em atividades de ensino-pesquisa-extensão e cultura na área de africanidades/afrobrasilidades, com projeto financiado sobre memórias da escravidão negra em Goiás e orientação de pesquisas de graduação e pós-graduação. Fez capacitação de pesquisa na Universidade Eduardo Mondlane, em 2018, e desde 2017 tem feito interação com esta universidade e a Universidade Pedagógica (hoje Universidade Rovuma), ambas em Moçambique.

Referências

AUGUSTO, Moisés Alves. Morfologia contrastiva entre português e kimbundu: obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola. 2016. 225 f. Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

ANÇÃ, Maria Helena. Da língua materna à língua segunda. Noesis, v. 51, p. 14-16, 1999.

ANÇÃ, Maria Helena. Perceções de angolanos sobre a Língua Portuguesa: um contributo para a didática do português língua segunda. Revista UBI Letras, Beira, n. 2, pp. 5-30, 2012.

ANTÓNIO, João Lourenço Francisco. Interferência da Língua Kimbundu no Português Falado em Kwanza Norte. 2018. 64 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Lusófonos). Faculdade de Letras. Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2018.

AGUALUSA, Jose Eduardo. A língua portuguesa em Angola: língua materna versus língua madrasta. Uma proposta de paz. Imaginário. São Paulo, v. 10, n. 10, p. 27-33, 2004/2005.

BAGNO, Marcos. Língua, Linguagem, Linguística: pondo os pingos nos ii. São Paulo: Parábola, 2014.

BENDER, Gerald. J. Angola sob o domínio português: mito e realidade. Luanda: Editorial Nzila, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.18055/Finis2185. Acesso em: 15 set. 2020.

BERNARDO, Ezequiel Pedro José. Norma e variação linguística: implicações no ensino da língua portuguesa em Angola. In: África em Língua Portuguesa: variação no português africano e expressões. Revista Internacional em Língua Portuguesa. IV série. Semestral, nº 32.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Léxico e vocabulário fundamental. ALFA – Revista de Linguística, Araraquara, v. 40, p. 27-46 1996. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/3994-9739-1-SM.pdf. Acesso em: 18 ago. 2020.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria Linguística: teoria lexical e linguística computacional. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BUITRAGO, Sandra Hibeth; RAMÍREZ, José Fernando; RÍOS, Jhon Fredy. Interferencia lingüística en el aprendizaje simultáneo de varias lenguas extranjeras. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales – Niñez y Juventud, Colômbia, v. 9, n. 2, p. 721-737, jul./dez., 2011. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/773/77321592016.pdf. Acesso em: 16 set. 2020.

CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

CHIVINGA, António Ngula. Que futuro para as línguas nacionais angolanas? Ensaio sobre as políticas de protecção e valorização das línguas nacionais angolanas. Luanda: Centr’Artes, 2014.

CHOMSKY, Noam. Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente. São Paulo: Unesp, 2006.

FIORIN, José Luiz. A linguagem humana: do mito à ciência. São Paulo: Contexto, 2013.

KUKANDA, Vatomene. Diversidade linguística em África. Africana Studia. Edição da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, n. 3, p. 101-117, 2000. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/7092-23397-1-PB.pdf. Acesso em: 24 set. 2020.

LABOV, William. Padrões sociolinguíticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta Pereira

Scherre e Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

LOPES, Humberto Morales. Sociolinguística. v. 70. Madrid: Editorial Gredos, 1989.

MAKONI, Sinfree Bullock. Da linguística humana ao sistema “d” e às ordens espontâneas: uma abordagem à emergência das línguas indígenas africanas. Tradução de Alexandre Cohn da Silveira. Revista da Abralin, v. 17, n. 2, p.376-419, 2019.

MENEZES, Leonarda. Descosturando a língua: o caso da mudança e das interferências linguísticas no português de Moçambique. Revista Odisseia, n. 5, jan./jun., 2010. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/2028-Texto%20do%20artigo-5762-1-10-20120706.pdf. Acesso em: 16 set. 2020.

MINGAS, Amélia. Interferências do Kimbundu no português falado em Lwanda. Luanda: Chá de Cabinde, 2000.

PAULA, Maria Helena. Rastros de velhos falares: léxico e cultura no vernáculo catalano. 521 f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2007.

NZAU, Domingos Gabriel Ndele. A língua portuguesa em Angola: um contributo para o estudo da sua nacionalização. 2011, 203p. (Tese de Doutoramento), Universidade de Beira Interior, Departamento de Letras, Covilhã, 2011.

PEDRO, José Domingos. Harmonização Ortográfica das Línguas Bantu de Angola (Kikongo, Kimbundu, Umbundu, Cokwe, Mbunda, oshiKwanyama). Cape Town & Luanda: SED Priting Solutions, 2013.

PETTER, Margarida Maria Taddoni. Uma hipótese explicativa do contato entre o português e as línguas africanas. PAPIA – Revista Brasileira de Estudos do Contato Linguístico, v. 17, n. 1, p. 9-19, 2008. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/2029-4158-1-PB.pdf. Acesso em: 16 set. 2020.

PERINI, Mário Alberto. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. 28.ed. São Paulo: Cultrix, 2012.

SANTOS, Ivonete da Silva; TIMBANE, Alexandre António. A memória social como repositório do pluralismo linguístico-cultural no contexto brasileiro. Revista do GELNE, Natal, v. 19, n. Especial, p. 63-78, Jul/Dez., 2017. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/12091-Texto%20do%20artigo-38041-1-10-20170830%20(1).pdf. Acesso em: 1 set. 2020.

SANTOS, Ivonete da Silva. A identidade linguística brasileira em contato com o português europeu: a variação léxico-cultural. 2018. 161 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem), Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Catalão, 2018.

SANTOS, Ivonete da Silva; TIMBANE, Alexandre António. A Identidade Linguística Brasileira e Portuguesa: Duas Pátrias, uma Mesma Língua? Curitiba: Editora Appris, 2020.

SERROTE, João Major. Antroponímia da língua Kimbundu em Malanje. 2015. 81 f. Dissertação (Mestrado Terminologia e Gestão da Informação de Especialidade), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015.

SEVERO, Cristine Gorski. A diversidade linguística como questão de governo. Calidoscópio, v. 11, n. 2, p. 107-115, mai./ago., 2013. Disponível em: https://doi.org/10.4013/cld.2013.112.01. Acesso em: 13 set. 2020.

SPINASSÉ, K. P. Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no Sul do Brasil. Revista Contigentia, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/contingentia/article/view/3837/2144. Acesso em: 16 set. 2020.

SILVA, Ana Pita Grós Martins da. Lexicografia bilingue de especialidade: e-dicionário de português-kimbundu no domínio da saúde. 2016. 204 f. Tese (Doutorado em Linguística). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Universidade Nova de Lisboa, 2015.

TIMBANE, Alexandre António. Os estrangeirismos e os empréstimos no português falado em Moçambique. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, v. 54, n. 2, p. 289-306, 2012. Disponível em: file:///C:/Users/USER/Downloads/8636607-Texto%20do%20artigo-6345-1-10-20150617.pdf. Acesso em: 30 jun. 2020.

NDOMBELE, Eduardo David; TIMBANE, Alexandre António. O ensino de língua portuguesa em angola: reflexões metodológicas em contexto multlingue. Fólio – Revista de Letras, v. 12, n.1, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22481/folio.v12i1.6604. Acesso em: 30 julh. 2020.

VILANOVA, João-Maria. Os contos de Ukamba Kimba. Portugal: Nóssomos, 2013.

Downloads

Publicado

01-10-2021

Como Citar

Da Silva Santos, I., & de Paula, M. H. . (2021). O português kimbundizadu: uma análise de alguns dos enunciados da obra os conto de ukamba kimba : Phutu ni Kimbundu: Kuzambula kwa mikanda imoxi ya kibandu kyalungu ni misoso ya Ukamba Kimba. NJINGA E SEPÉ: Revista Internacional De Culturas, Línguas Africanas E Brasileiras, 1(2), 162–184. Recuperado de https://revistas.unilab.edu.br/index.php/njingaesape/article/view/698

Edição

Seção

Seção I - Artigos inéditos e traduções/interpretações