#Oamorvenceu: Embate entre ênfases valorativas contraditórias em post de uma charge sobre o dia da Amazônia

Autores

  • Aline Milena Borges da Silva Dias Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Palavras-chave:

signo ideológico, entonação, campanha política, verbo-visualidade, reacentuação

Resumo

Este trabalho objetiva analisar o modo como se constrói a reacentuação contraditória de slogans governamentais lulistas sobre o amor no post de uma charge sobre o dia da Amazônia na rede social Instagram. A pesquisa inscreve-se teoricamente no campo da Análise Dialógica do Discurso, fundamentando-se, acerca da categoria analítica de acentuação, principalmente nos trabalhos de Bakhtin (1997; 2010), Volóchinov (2013; 2021), Brait (2008; 2009; 2010) e Cunha (2009), bem como, no tratante ao estudo do enunciado na esfera digital, em Araújo (2011) e Brambila (2022). A pesquisa é de natureza qualitativa, com finalidade descritiva-interpretativista. A seleção do post para análise seguiu o critério da presença do slogan petista atualizado não em seu sentido original de promoção ao governo Lula, mas sim como um enunciado-chave para marcar-lhe oposição. Nesse sentido, elegeu-se o post com a charge “Amazônia”, de autoria de Jean Galvão (@jeangalvao) e publicada pelo artista em sua página pessoal de Instagram. Quantos aos comentários da publicação, considerando sobretudo os objetivos do estudo, decidiu-se selecionar apenas os que faziam referência direta ao diálogo aberto pela charge. Assim, dos 12 comentários existentes, foram transcritos 4, dentre os quais apenas o 1 e o 2 foram analisados, em virtude de a reacentuação do slogan lulista do amor ocorrer apenas nesses dois últimos casos. Durante a coleta de dados, realizou-se, ainda, a leitura das obras teóricas referidas, a partir da qual pôde-se deduzir os elementos relevantes de serem observados no corpus recortado. Como última etapa, foi feita a análise e a interpretação dos dados. Nesse momento, viu-se que os comentários da charge revelaram sua oposição com o slogan governamental lulista mediante uma reacentuação irônica. Na charge, tal processo discursivo decorreu da modificação do sentido do amor à Amazônia inicialmente sugerido pela linguagem visual da produção. O coração desenhado por um empresário sobre uma árvore que logo é arrancada do chão e levada embora termina por fazer desse signo do amor, contraditoriamente, um signo da ganância. No comentário 1, a reacentuação irônica é deflagrada pela combinação dos signos “amor” e “verde”, que parodia a alcunha representativa da gestão de Lula “governo do amor”, resultando no enunciado “governo do amor verde”. Em vista da tragédia da Amazônia retratada na charge, essa nova construção inviabiliza o sentido positivo esperado de atenção do governo Lula aos problemas estruturais brasileiros – que as condições do surgimento do slogan fizeram emergir – questionando, portanto, o amor como política realmente seguida pelo presidente. Já no comentário 4, embora materialmente nenhum elemento tenha sido alterado na reprodução do bordão político “O amor venceu”, é possível perceber, pela consideração dos componentes da situação de produção dessa resposta, que o autor estabelece uma espécie de correção ao pensamento de que o amor estava vencendo na gestão do presidente Lula servindo-se do fato abordado na charge, o qual evidentemente não apenas não representa como também vai de encontro a um governo pautado no amor.

Referências

ARAÚJO, J. C. Web 2.0 e as práticas de linguagem: novos gêneros? Texto Livre, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p. 7-19, set. 2011. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16592. Acesso em: 18 jan. 2024.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

BRAIT, B. Ironia em perspectiva polifônica. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2008.

BRAIT, B. A palavra mandioca do verbal ao verbo-visual. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 142-160, 1o sem. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/m/Downloads/3004-Texto%20do%20artigo-6723-1-10-20100617%20(1).pdf. Acesso em: 18 jan. 2024.

BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010. p. 9-31.

BRAMBILA, G. #Contémironia: uma análise bakhtiniana da contrapalavra no contexto virtual. Signótica, Goiânia, v. 34, p. 1-28, set. 2022. DOI: 10.5216/sig.v34.72026. Disponível em: https://revistas.ufg.br/sig/article/view/72026. Acesso em: 18 jan. 2024.

CUNHA, D. Circulação, reacentuação e memória no discurso da imprensa. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 23-39, 2º sem. 2009. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3010/1941. Acesso em: 18 jan. 2024.

FILHO, F. A.; SANTOS, E. P. O tema da enunciação e o tema do gênero no comentário online. Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 78-89, abr./jun. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2013v10n2p78. Acesso em: 18 jan. 2024.

MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 151-166.

MINAYO, M. C. S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S. (Org.); DESLANDES, S. F.; NETO, O. C.; GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Rio de Janeiro, 2022. p. 9-29.

VOLOCHÍNOV, V. Palavra na vida e a palavra na poesia: Introdução ao problema da poética sociológica. In: VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas de João Wanderley Geraldi. São Paulo: Pedro & João Editores, 2013. p. 71-100.

VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2021.

Downloads

Publicado

30-06-2024

Edição

Seção

Artigo experimental (acadêmico)